terça-feira, 9 de junho de 2009






“Favela não é problema, é solução”

Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba afirma que não devemos excluir as favelas do planejamento
urbano. "Favela integrada com a cidade. Essa é a solução. Claro, isso não soluciona tudo, até porque há
novos desafios, como o tráfico de drogas. Mas alguns dos grandes problemas que temos nas favelas
- lixo, infraestrutura, empregos e segurança - nós podemos resolver.
O primeiro é o lixo. Quantas pessoas têm morrido soterradas nos morros e em inúmeras favelas no
mundo inteiro? Por que as pessoas são obrigadas a jogar tanto lixo perto das próprias casas?
Porque o acesso dos caminhões que fazem a coleta não é fácil, já que as favelas estão geralmente
em morros ou em fundos de vale. Em 1989, na Prefeitura de Curitiba, criamos um programa que
comprava o lixo da favela. O que aconteceu? Em vez de jogar fora, os moradores coletavam o lixo,
que era trocado por vale-transporte. Não se tratava de um ato paternalista, já que, se não
fizéssemos isso, teríamos de pagar pela coleta de qualquer maneira. Em poucos meses, todas as
favelas estavam limpas, e as famílias tinham uma renda a mais. Problema resolvido.
A segunda questão é a infraestrutura: levar água, esgoto e energia. Pelo menos em se tratando de
energia e água, a tendência é mexer no terreno. Sempre fui contrário a essa solução porque pode
haver deslizamento. Defendo a ideia de levar água e energia através do corrimão das escadarias.
Dessa maneira, é possível realizar o abastecimento de água da maneira mais prática para cada
casa: pela janela, pelo teto, por onde for mais fácil. Idem em relação à energia elétrica:
leva-se a estrutura básica pelo corrimão. E o esgoto nós podemos coletar da mesma maneira, pelo
canto das escadarias.
Terceiro problema: como gerar empregos? Zonas francas. Ou seja, quem montasse uma pequena fábrica
ou serviço e contratasse moradores locais não pagaria impostos. Assim faríamos com que o tráfico
deixasse de ser a única alternativa de boa parte das pessoas. Com isso, aumentam as chances de,
pouco a pouco, levar escolas e creches de qualidade até lá. Motivados pelas melhorias em volta,
os moradores acabam investindo em reformas nas próprias casas. E aí entra a necessidade de outras
soluções: financiar material de construção e dar suporte legal para que as pessoas regularizem a
área em que vivem.
A melhora das condições diminui a sensação de "gueto", que torna a coexistência muito difícil
porque o seu vizinho acaba virando inimigo. E a atual tendência é justamente criar "guetos" -
tanto de gente muito rica quanto de gente muito pobre - cada vez mais afastados da malha urbana.
E há vazios urbanos que podem ser perfeitamente ocupados por uma vizinhança diversificada. Uma
das coisas de que eu mais gosto na minha cidade, Curitiba, é que 80% da população vive em
vizinhanças diversificadas, gente de toda faixa de renda. Não no mesmo prédio, mas próximas. Isso
é uma coisa sadia, que acontece nas boas cidades do mundo. Prefiro a favela mais integrada à
cidade que o conjunto habitacional muito afastado. O custo de melhorar a qualidade de vida passa
a ser menor do que levar a 40 km, 50 km de distância a infra-estrutura para que um conjunto
habitacional enorme se estabeleça em uma determinada região metropolitana.
Por outro lado, é preciso conter o avanço das favelas. Para isso devemos oferecer alternativas
mais rápidas. Terra acessível, financiamento para construção, autoconstrução. A favela é
inevitável no momento em que não há alternativa. O governo tem de oferecer transporte público,
saúde e educação de qualidade. Atendidas essas demandas, a tendência é melhorar.
A criatividade começa quando se corta um zero do orçamento. A sustentabilidade, quando se cortam
dois zeros. E a qualidade de vida começa quando você é rápido em achar soluções".

Achei muito interessante compartilhar esta matéria que sai na edição da Galileu este mês porque
trata de uma das formas mais eficazes de mudança na forma de governa. Onde se ve a democracia a
favor de nós e não exclusivamente aos líderes e políticos.